A agência estatal se tornou referência mundial em assassinatos

Existe uma visão compartilhada pelos povos ocidentais de que o Oriente Médio é uma região caótica, tensa e que, aparentemente, nunca irá ver a paz. Antes mesmo do ataque ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, o local já era visto como sinônimo de problemas. Analisando friamente a história e as demandas de todos os lados, nós podemos chegar a um arrazoado: é difícil defender qualquer um dos lados, seja eles árabes, palestinos, israelenses ou iranianos. Parece que, no fim, todos são culpados de algo.

E dentro deste contexto todo, existe uma visão comum que temos dos árabes: terrorismo. Este, por sua vez, causa um gelo na espinha da maioria das pessoas e é esse o objetivo deles. E dentro deste estereótipo, podemos imaginar que o terrorista “clássico” é composto por pequenos grupos de fanáticos religiosos e muitas vezes com pouca eficiência em seus objetivos, tirando alguns poucos golpes de sorte eventualmente. Mas o que normalmente não se comenta é com relação a forma Israel, o principal inimigo dos palestinos e iranianos, lida com os adversários externos: o assassinato seletivo.

Mossad, Aman e Shin Bet

Antes de saber como o assassinato seletivo acontece, é importante entender as diferenças na estrutura de decisão do Estado de Israel. E para isso, vamos entender melhor as diferenças entre o Mossad, a Aman e o Shin Bet.

O Shin Bet, também conhecido como Shabak, é o serviço de segurança interna e de contra-inteligência de Israel, responsável por proteger o país contra ameaças à segurança nacional, como terrorismo, espionagem e sabotagem. Sendo assim, a grosso modo, o Shin Bet é responsável por tudo que acontece dentro das fronteiras do país. Suas operações incluem o monitoramento de atividades suspeitas, a coleta de informações estratégicas e a condução de interrogatórios.

Já a Aman é uma agência responsável puramente pela inteligência militar de Israel – e por “inteligência” se entende a coleta e produção de conhecimento para auxiliar a tomada de decisão. Suas frentes estão focadas em busca de informações através de Humint, Osint, Sigint e diversas outras fontes. Desse modo, essa é a perna do tripé que possui menor atuação direta em situações bélicas. Contudo, o julgamento da Aman é tão valioso que, muitas vezes, é dito que seus agentes são os responsáveis por decidir quem vai ser assassinado ou não. A cargo de curiosidade, existem alguns atritos entre a Aman e o Mossad e Shin Bet, pois, uma vez que seu serviço fica “nos bastidores”, seus agentes muitas vezes são considerados covardes e mimados.

Por fim temos o Mossad, que é responsável pelas operações militares secretas no exterior. Em outras palavras, são os principais responsáveis pelos assassinatos seletivos de inimigos externos que possam ser uma ameaça ao Estado de Israel. Se a Aman é responsável por decidir quem deve morrer, o Mossad faz todo o trabalho sujo.

A Página Vermelha

Apesar de um assassinato seletivo de Israel ser elaborado pelas forças militares, nenhum ataque é realizado sem o aval do Primeiro-Ministro. Neste caso, quando todas as informações a respeito de um alvo estão consolidadas e a estratégia definida, é emitida uma Página Vermelha para que a autoridade máxima assine e dê início à operação.

Originalmente, a Página Vermelha tinha como objetivo alertar os cidadãos israelenses sobre ameaças iminentes, como ataques terroristas, lançamentos de mísseis ou outros incidentes de emergência. Contudo, na prática, este é um documento que autoriza a prática do assassinato seletivo.

A espada na garganta

Por mais que possa soar distópico o fato de um país ordenar que inimigos externos sejam assassinados e possuir uma estrutura organizada para isso, Israel tem seus motivos para agir desta forma.

Para começar, esse país está localizado entre diversos inimigos poderosos que gostaria que o povo judeu sequer existisse. Assim, uma “guerra total” tornaria Israel muito vulnerável e não é certo de que fosse possível dar conta de um conflito abertamente declarado. Além disso, os inimigos do Estado também são inimigos uns dos outros, sendo na maioria dos casos grupos terroristas que possuem atritos entre si. O pior tipo de situação, nesse caso, seria unir todos contra si. “Não lutar uma guerra total até que estejamos com a espada na garganta”, como diz o ditado.

Ao longo dos anos, Israel percebeu que a melhor forma de manter a segurança nacional era justamente orquestrando assassinatos seletivos contra os líderes destes grupos. Esse arrazoado foi levantado após ser constatado que essas organizações terroristas, quase todas de matriz islâmica, costumam se organizar justamente ao redor de figuras religiosas de destaque. Além disso, seguindo a doutrina militar que precisa de uma estrutura hierárquica de comando, praticamente nada pode ser feito sem que um “general” esteja por detrás das estratégias e ordens.

Em resumo: para evitar ou mitigar qualquer problema que possa vir a ser um risco para a segurança nacional, o mais eficiente é justamente atacar o “coração” destas ameaças e deixar que o resto se desmantele sozinho. A eficiência deste tipo de ataque é questionável, mas, eficiente ou não, esta prática é seguida desde a criação do Estado de Israel até hoje.

Tais ações costumam ser uma espécie de tabu na mídia israelense. Isso ocorre porque os próprios donos dos veículos de comunicação costumam impor uma “auto censura” em seus jornalistas. Desde o século passado, uma vez por ano, todos os proprietários e editores destes jornais são convocados para uma reunião com o primeiro-ministro em pessoa. Nestes encontros, a autoridade máxima do país compartilha alguns segredos com estes jornalistas para alimentar seu espírito patriótico e fazê-los entender que o controle de informações é algo importante contra os inimigos. O fato é que tal medida costuma funcionar neste sentido.

Em ação

Em setembro de 2024, um episódio chamou atenção de todo o mundo quando diversos pagers explodiram no Líbano. Os alvos eram membros do Hezbollah. Uma reportagem publicada pelo “The New York Times” afirmou que o estado de Israel montou uma operação que consistia em uma empresa de fachada que vendeu os equipamentos com explosivos, já esperando o momento certo para que o ataque fosse concretizado. Este tipo de ataque pode parecer algo extraordinário e até mesmo cinematográfico, mas isso é praticamente rotina para o Mossad.

Nas primeiras operações do “Instituto”, ainda no século passado, os ataques eram feitos de forma menos profissional e mais “óbvia”. Isto é: agentes (que eles chamam de “guerreiros”) eram enviados a campo com um alvo em mente e, muitas vezes, o executavam a tiros, facadas ou estrangulamento. Porém, ao longo dos anos, com o acúmulo de experiência tanto tática quanto política, este tipo de prática foi sendo abandonada e novas foram implementadas. Atualmente, o Mossad tende a optar por táticas menos diretas e mais certeiras. Dentre elas estão o uso de drones, explosivos em objetos inusitados e envenenamento.

Nem todos detalhes das operações do Mossad são de conhecimento público, mas podemos tirar boas informações com base nos relatos de Ronen Bergman no livro “Levante-se e Mate Primeiro: A história do serviço secreto e dos assassinatos seletivos de Israel”. Segundo o autor, vários alvos de maior ou menor valor foram eliminados de formas muito criativas. Alguns exemplos incluem adulterar a pasta de dente com um veneno poderoso, explodir um bueiro no momento que o carro passa por cima ou o envio de cartas-bomba. A imaginação flui.

Um dos princípios dos ataques é que tenha nenhuma ou o mínimo possível de efeitos colaterais, como vítimas inocentes – caso exista um risco muito grande, a operação é cancelada. Isso acontece não exatamente por “motivos nobres”, mas sim para evitar maiores acidentes diplomáticos e retaliação midiática internacional. Isto é: no fundo, ninguém se importa se terroristas morrem, mas se inocentes morrem na luta contra o terrorismo, aí sim as coisas podem sair do controle.

O perfil-geral do “guerreiro”

O Mossad afirma que existem dois tipos de agentes dispostos a tirar a vida dos inimigos de Israel: os que estão em busca de algo e aqueles que estão fugindo de algo. As diretrizes não rejeitam nenhum dos dois tipos de guerreiros, uma vez que ambos possuem valor.

De modo geral, o primeiro tipo de guerreiro é o típico patriota devoto ao próprio país, mas com uma vida pessoal carente de qualquer apego. Normalmente são solteiros, sem muito contato com os pais e que estão em busca de uma aventura e de fazer coisas importantes para si e para o mundo.

Já o segundo tipo de guerreiro também é um patriota devoto ao próprio país, mas sua vida pessoal é quase o completo oposto. Eles normalmente são casados, possuem filhos e familiares dependentes deles. Porém, existe tanta pressão e desânimo com esse tipo de vida que eles procuram “fugir” disso tudo em busca de uma aventura em nome de um bem maior.

Ao redor do mundo

O Mossad possui células de atuação ao redor de diversos países do mundo. Durante muitos anos, sua atuação na América do Sul era quase ostensiva, uma vez que muitos oficiais nazistas se esconderam em países como Argentina, Brasil e Uruguai. Inclusive, Josef Mengele (1911-1979) morreu em circunstâncias misteriosas em território brasileiro. Inclusive, existe a teoria da conspiração que afirma existir um braço do Mossad chamado “Kosmin” dedicado a monitorar e assediar descendentes de nazistas foragidos. A palavra, em hebraico, seria algo relacionado à “espelta”, que é um tipo de trigo. Mas nada disso é confirmado.

Contudo, atualmente, o Mossad possui maior atuação em países do Oriente Médio que são os locais com as maiores ameaças diretas a Israel. Existem agentes também em outros locais, como na Europa e na Ásia.

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